Artigos de Dom Manoel João Francisco Dom Manoel João Francisco - Bispo Emérito

Postado dia 29/04/2019 às 16:52:33

Trabalho e Eucaristia

No dia 1º de maio celebramos o Dia Mundial do Trabalho. Neste dia trabalhadores e trabalhadoras ao mesmo tempo que fazem memória dos companheiros e companheiras que tombaram em ação, realimentam suas esperanças e rearticulam suas lutas, tentando assegurar conquistas, seriamente ameaçadas.
                       Tudo o que é verdadeiramente humano ressoa no coração dos cristãos. Por isso a Igreja em 1955, assumiu os ideais do Dia do Trabalhador, instituindo a festa de São José Operário e celebrando a eucaristia como festa da consagração cristã do trabalho. 
                       Trabalho e eucaristia são duas realidades profundamente relacionadas. No momento em que o padre faz a apresentação das ofertas, reza dizendo que o pão e o vinho são “frutos da terra, da videira e do trabalho humano”.
                       Com efeito, para o sacramento da eucaristia, Cristo escolheu como sinais pão e vinho, isto é, um alimento e uma bebida que o ser humano produz para manter sua existência e sustentar sua vida. O pão e o vinho vêm da terra, mas são também fruto do trabalho humano, conforme recorda a oração citada. Noutras palavras: nós celebramos a eucaristia com elementos cuja produção em quantidade suficiente e distribuição equitativa são indispensáveis à vida da humanidade.
                       O pão e o vinho, na eucaristia, transformam-se em sacramento. Isto quer dizer que estes elementos, depois de santificados pelo Espírito Santo, além de ser para nós sinais eficazes da vida e da alegria que Deus nos comunica em Cristo, são também sinais do trabalho humano ofertado a Deus, mas que só são aceitos, se forem fruto de trabalho justo e honesto. Levar ao altar pão e vinho para oferecer ao Senhor, sem a preocupação de saber se os irmãos e as irmãs tem o necessário para viver – trabalho, casa, comida, roupa, lazer – seria esvazi ar a eucaristia do seu mais profundo significado. 
         Foi o próprio Cristo quem falou: “Se você estiver para oferecer a sua oferta no altar e lembrar que seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe sua oferta ali mesmo, ao pé do altar e vá primeiro reconciliar-se com seu irmão, só depois, você poderá voltar para apresentara sua oferta” (Mt 5,23-24). São Paulo, repreendendo e aconselhando os fiéis de Corinto assim se expressou: “Deste modo quando vocês se reúnem já não é para comer a Ceia do Senhor, porque apenas vocês se põem à mesa, cada um se apressa a tomar a sua própria refeição, e enquanto, u ns têm fome, outros se fartam (...). Que lhes direi? Devo louvá-los? Não! Não, nisto não os louvo” (1Cor 11,20-22). O autor do livro do Eclesiástico, num contexto de oferta sacrifical tem palavras bem mais duras: “É manchada a oferta de quem sacrifica bens iníquos, e não são bem aceitas as oferendas dos injustos. O altíssimo não aprova os dons dos iníquos e não olha para a oblação deles, nem lhes perdoa os pecados por causa da multidão dos seus sacrifícios. Quem oferece um sacrifício com os bens dos pobres é como quem imola um filho na presença do pai” (Eclo 34,22-24).
         A Igreja continuou este mesmo ensinamento através dos tempos. Um documento do início do século III, chamado Didascalia estabelece uma relação essencial entre a celebração da eucaristia e a prática da justiça e da solidariedade. Orienta para que o bispo tenha grande cuidado e seja até escrupuloso, no que diz respeito às ofertas feitas durante a missa. Apresenta em seguida uma lista das pessoas de quem não se deve aceitar. Entre elas, destacam-se os ricos que tratam mal seus empregados, os que oprimem os pobres, os comerciantes injustos, os magistrados que proferem sentenças de morte. Destas pessoas e do dinheiro que provém da injustiça, conclui a Didascalia, o altar de Deus não pode depender.
         Sem dúvida, estas orientações são muito claras e nos chamam a atenção para a profunda relação entre eucaristia e trabalho realizado com justiça e dignidade.
         Na verdade seria contraditório, e até mesmo vã pretensão, render graças a Deus através da eucaristia se existisse desinteresse pela transformação das muitas situações de injustiças em que o trabalho humano é realizado. Não se quer dizer com isso que seria inútil, ou que se deve abster de celebrar a eucaristia nos lugares onde não existe trabalho com justiça para todos. Afirma-se apenas que a eucaristia permanece incompleta quando não nos compromete e não nos move a nos engajar na luta por melhores condições de trabalho.
         A participação na eucaristia exige, como conseqüência, um engajamento nas lutas em favor de mais emprego, de salários mais justos, de mais segurança no trabalho, enfim, de mais garantia de todos os direitos que permitam ao trabalhador e à trabalhadora viverem  como filho e filha de Deus

 

 

 


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